quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Conto [7]

Quezia entrara pela porta principal, enquanto ainda arrumava o vestido. Totalmente tímida, inexperiente e iluminosamente deslumbrante. O primeiro a cumprimentá-la, beijou-lhe as mãos erguendo-as na altura dos peitos. O segundo, quarto e restantes, apenas olharam, cada um com uma inclinação diferente. O terceiro era o posseiro. Abraçou seus braços femininamente frágeis e a acompanhou nas escadas até à plateia familiar. As champanhes, jóias e ternos escancaradamente sublinares, a sede de status presente em cada conversa superficialmente industrializada e bancária, passavam batidas por Quézia. Não sorria quando ouvia preconceitos como a roda de grandes nomes fazia, nem heterogenizava a sala com um olhar ignorante e capitalizado. O jardim, visto à alguns metros, quase que disfarçado pelos conjuntos de lustres, a despertou vontade e ainda mais uma sensação de oportunidade de fuga, de se libertar de tantas grotescas conversas e atitudes nobrementes falsas e sarcasticamente modernas. Foi, então, disfarçadamente, ao caminho mais discreto que a levava ao jardim. Porém, esse caminho era constituído por quadros, relíquias e portas. Dessas portas, uma conhecia, era a porta do mundo do seu namorado oficial há duas semanas mas amigo confidencial há anos, e seu próprio mundo também, consequentemente. Aquela porta a chamou atenção puxando-a por energia, e ao tocar na maçaneta já sabia que era fato. Fato o que queria. Que queria conversar sobre sua família, mas não apoiar suas revoltas com seus pais extremos e adestrados. Entendia a indignação, a inaceitação, a diferença. Também era diferente. Mas entendia mais que isso. O cheiro do lençol, os dicos, as roupas e os objetivos que discreviam pouco a pouco partes de sua personalidade impetuosa, os documentos e as fotos que registravam ideologias e batalhas; ela entendia tudo, e era tudo que a mais conquistava, além de seu olhar firme e quente, seus braços fortes e acolhedores. Saiu do quarto de volta à sala, sem direito a jardim, em busca do colecionador de jornais antigos. O achou e o destino foi o jardim, sem se importarem com a classe alta criticar o gesto mal educado e inadmissível dos jovens, que não sabem o que fazem. Jovens negligentes, que se não precisam de sonhos, basta seus fardos hereditários.

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