sábado, 25 de setembro de 2010

Conto [3]

Ela gostava de tomar café. Então ela foi à uma cafeteria. Ela conheceu um moço, lá. Na verdade ela não o conheceu, pois quando conhecemos alguém, sabemos o nome da pessoa, o tom de voz, algumas informações básicas como idade, profissão e interesses. E claro, estado civil. Nada. Ela não sabia nada. Era um dia, em uma mesa, olhando para o lado, e olha! Ali estava ela fascinada por alguém que não conhecia. Não era um dia comum, o céu estava pintado de cinza com tonalidades de pastel. Não tinha o mesmo cheiro de cidade urbana, a chuva tinha chego na noite passada depois de um grande intervalo de tempo sem aparecer. As pessoas não estavam comuns, estavam mais bonitas, parecia. Dizem que no frio as pessoas tem essa mania, de ficarem mais bonitas. É, estava frio. E estava todo mundo mais bonito. Com casacos e cachecóis. As folhas das árvores dançavam, os cachorros não latiam, e a cafeteria estava bem mais decorada naquele dia. As mesas também não eram comuns. Não eram mais mesas com garrafas de cervejas, pratos com pães de queijo; tinha um belo moço com traços fortes em uma mesa ímpar. Ela não tinha ido trabalhar, então só queria o dia de folga, com seu livro e seu café. Ele... bom, ele estava lendo jornal. A visão dela começou a desfocar da rua e das calçadas quadriculadas e se entreter somente para a mesa 43. Ele estava na mesa 43. Ele estava lendo um jornal e isso já era um grande passo! Inteligente! Culto! Só espero que ele não esteja lendo classificados, . Ou sobre carros. Ou futebol. Pensou ela. Tá, futebol até que podia. Mas depois, por um tempinho, com um prazer e satisfação, de preferência interessado no São Paulo, mas não com tanta intensidade que nem ele olhava para aquele papel naquele momento. Ela reparou tanto que existe a possibilidade de ele ter percebido. É. Ele percebeu. Ele riu. Ela viu o lado bom disso; além de uma barba encantadora, tinha um sorriso que de tão brilhante refletiu nos espelhos do balcão à metros de distância. Ele virou a página do jornal e ela conseguiu ver sobre o que ele lera. Política! Que belo! Será advogado? Jornalista? Não importa, ele se interessa por política, que lindo! Ela continou pensando. Moça, quer que eu traga outro café? Disse o garçom reparando que, desde que a servira, não relou na xícara. Não, não, eu quero saber se... Bom... Não devo... Ah, deixa pra lá. O garçom não entendeu e deixou mesmo pra lá. Ela continuou encarando tanto o cara da 43, que nem percebeu o quanto estava sendo insistente nos olhares. Não era de seu costume fazer isso. Mas ele tinha algum ímã, só pode. Devia ser pegadinha de algum programa de TV, colocaram nela sem querer e estavam testando o seu comportamento feminino... Sabe-se lá o que mais ela pensou. Ela era paranóica. Depois de alguns minutos, ele guardou o jornal e abriu uma bolsa-pasta. Ela sabia que agora tinha que desviar o olhar. Sei lá, tomar o café gelado, ler o índice do seu livro, prender o cabelo, fingir que está falando no celular; tudo menos continuar encarando. Mas a curiosidade era tão forte, que fez então ela continuar encarando-o. Quando ela viu que ele tirava de lá papéis verdes e reparou nos destaques das palavras Meio Ambiente, Protesto e Petição, não conseguiu não arregalar os olhos. Ele olhou e compreendeu. Ela pensou: basta. Ele percebeu! Na cafeteria tocava música. Normalmente MPB, Bossa Nova, Rock Clássico. Às vezes Pop, Axé, Sertanejo Universitário, dependia do horário. Naquela manhã estava tocando as clássicas. Tocou Lô Borges. Ele acompanhou a música por um momento. Ah, é isso... entendi... ele é perfeito. Pensou ela. O relógio da cafeteria se adiantava e ela foi conhecendo ele ao passar de cada inclinação dos ponteiros. Ele foi à mesa dela, pediram sucos e sanduíches, já estava na hora do almoço e os dois conversavam sobre tudo. Conversavam sobre relacionamentos e família. Sobre 1929 e 1969. Sobre instituições e música. Sobre documentários e banalizações. Sobre ciência e fundamentalismo. Sobre o Código Florestal e as festas de trabalho. Não, ele não era jornalista. Nem advogado. Conversaram, riram, se sentiram bem e não trocaram telefone. Nenhum pediu, nenhum quis. Havia um bom tempo em que ela não se sentia tão a vontade com alguém sem pressão, sem ter antes conhecido e sem saber que depois iria ter contato físico. Foi uma ligação estranha e confortante. Nem e-mails trocaram. Se despediram sem beijo, mas seus corpos se encaixaram no abraço. Foi realmente um prazer terem se conhecido. Ela nunca tinha vivido um amor de verão, mas viveu aquilo.

Um comentário:

  1. Realmente lindo! *-* encantador meu amor, eu adorei, você escreve muito bem! Parabéns.

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