quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Conto [5]

Quer um pedaço? Ele ofereceu à menina dos olhos tristes refletidos no lago. Não, obrigada. Acompanhando a maré, respondeu ao menino da blusa de frio escura. Vamos lá, depois eu pulo de novo para dentro da casa 47 e pego mais; o problema é que só tenho esta, mas quero te oferecer. Não, obrigada. O que você quer, então? Quero ficar aqui. Não acho uma boa ideia. Por quê? Fico preocupado com você, está frio, você deve estar com fome e não quer um pedaço. Como resposta, só um sorriso logo apurado seguido dos olhos arregalados da menina. Não entendi. Nem eu. O que foi? O quê? Um silêncio. Acabou o silêncio quando começou a tocar as sinfonias dos insetos como plano de fundo. Como de costume, em situações dessas, eles trocavam de assunto rapidamente. Viu, o que cai mesmo na prova de matemática? Os dois nunca foram tão amigos. Para ele, desde o primeiro dia de aula da primeira série, ela era só uma menina cujo cabelo refletia o sol e ao luar eram mais negros do que como os que imaginava sendo da Iracema quando lia o livro na escola, ao lado dela, aliás. Para ela, ele era o menino mais lindo do mundo, desde a quinta série, quando tirou o aparelho. Mas ele não sabia disso. Nem ela de que ele gostaria de fazer tranças em seus cabelos todos os dias de manhã, e apenas observá-los, soltos, todos os dias, à noite, enquanto viam as estrelas e conversavam com os pés no lago. Me perguntaram por que você anda comigo, disse o menino com medo da resposta, então com os olhos fixos na grama onde estava sentado. Como assim? Não vou te responder isso. É algo ruim, então. A menina levantou-se para ir embora, devolveu-lhe suas luvas e deu-lhe um beijo da bochecha, como de costume, todos os dias, todas as noites, exceto nos feriados devido às viagens de família. Entrou na casa e começou a escrever no seu diário. Ela sabia que não tinham perguntado nada à ele, ele é que queria saber. Mas ela também tinha vergonha, e em vez de responder a pergunta informando-o de todos os porquês, que não eram poucos e muito menos ruins como ele pensou, mesmo que olhando fixamente para qualquer árvore ou até para a mesma grama que ele, ela preferiu fugir. Como quando começou a fazer desde a sétima série. Mas escreveu tudo no seu diário, como fazia desde a oitava. Foi se deitar, mas antes fechou a janela e acenou para o vizinho. O menino mais bonito da classe no fundamental, o mais engraçado colegial, o mais popular na faculdade. Mesmo depois de anos, a mesma grama, o mesmo lago, os mesmos acenos antes de dormir. Mas agora com direito a mensagem no celular de boa noite. Mas agora com benefícios. Antes o menino pulava cercas, roubava amoras. Antes conversavam sobre provas, ele emprestava luvas. Agora trocam beijos, e continuam amigos. Agora bebem e vão para festas, mas continuam terminando as noites no mesmo lago. Tem dias que dormem juntos, e sentem saudade de fechar a cortina. Tem dias que eles se separam, mas continuam amigos. Quer um pedaço? Ofereceu uma amora o homem de 24 anos à menina dos cabelos mais bonitos do que o da Iracema.

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