domingo, 10 de novembro de 2013

Conto [9]

- Conheci uma banda nova, ele canta com emoção.
 - Mais que Johnny Cash e Bob Dylan, na sua música preferida?
- Mas você ainda pergunta uma coisa dessas. Quando que alguma música vai ter mais emoção que aquela? Porém, o cara canta umas verdades. E umas coisas meio depressivas, também. Para uma pessoa normal, pode parecer clichê. Mas não sou uma pessoa normal agora e não sinto isso, sinto como se ele escrevesse com todo o coração, para uma pessoa que o machucou muito. Talvez eu esteja mais emocionada com a música por estar machucada também.
- Isso está errado.
- Eu estar machucada? Ah, obr...
 - Não, você dizer que não é uma pessoa normal agora.
 - Bela ênfase no agora. Eu sei que nunca fui normal. Mas se já sou estranha "normalmente", como posso me definir apaixonada ou machucada?
- Continua falando da música.
- A música fala de emoção e...
- E a parte das verdades?
- Ah, é, ela te faz pensar umas coisas bem tapa na cara, sabe?
 - Qual trecho?
- How can you love someone and not yourself?
- Se eu fosse sua melhor amiga, você teria que traduzir.
 - Mas você não é, então não muda de assunto.
 - Eu preciso mudar de assunto. Porque se você não muda e se ninguém fizer isso por você...
 - Han? O que vai acontecer?
- Você vai continuar presa nesse assunto e ouvindo esse tipo de música e conhecendo essas bandas que sabe que eu não sou muito fã, sou mais do metal.
 - Cala a boca, que você chora com Blues.
 - Quer batata?
- Não, quero emoção.
- Isso é fácil.
 - Mas dói.
 - É só saber selecionar os tipos de emoção que procura. Me passa a pimenta.
 - Não posso estar tão errada por ter me apaixonado. Todo mundo gosta. São sensações gostosas no começo... mas, porra, como faz mal, né? É como uma bela bebedeira, no começo você se sente incrível e não sente nada: não sente às vezes nem toques ou surras, sente mais profundamente uma música, sente mais a energia, as pessoas, o ar carregado de amor, amizade, instrumentos. Sente graça em tudo, vê beleza em tudo, vê tudo com mais intensidade, cores, sentido. Mas depois que acaba e você volta pra merda da vida normal sem estimulantes, a primeira coisa que faz ao abrir os olhos é se sentir um lixo. Sentir-se o oposto de todo aquele incrível: sentir dor de cabeça, ânsia, dor em tudo, na cabeça, no corpo; ressaca moral, ressaca física...
 - Você não tava falando da música?
- Porra, se você continuar falan...
 - Ok. Vamos para essa sua comparação bizarra de paixão com bebedeira. Deixa eu dar o último gole deste copo.
(Silêncio)
Depois de abrir os olhos você levanta da cama, ou do sofá ou do chão ou da privada ou de sei lá onde você dormiu na noite anterior, e vai se hidratar: bebe água, bebe suco, bebe coca. Come alguma coisa, come coisas salgadas, come doce. Deita e espera um pouco. No final da noite tá até ligando para as amigas pensando em qual vai ser o próximo rolê...
 - Mas na paixão não é assim.
- Caralho, você estava comparando as duas coisas até agora! Você só não quer enxergar.
- Então me dá uma porra de um saleiro pra eu curar essa dor. Me dá alguma merda que me faça tão bem quanto litros de água... me dá alguma garantia de que eu vou parar de me sentir mal até o final da noite. Porque eu não penso em nada e...
- E sua teoria falhou.
- Quê?
 - Essa coisa estranha de comparar bebedeira com amor. Você acabou de perceber que é uma idiota sofrendo por um cara e tentando achar explicações simplistas em coisas desconexas, só para ter alguma coisa em que pensar.
- E o que eu faço?
 - Me fala mais da música.
- Ela pergunta sobre quem vai fazer a pessoa amada se sentir melhor, quem vai ser o que, na verdade, o eu lírico sempre quis ser.
 - Bacana.
 - E isso dói pra caralho porque, no meu caso, eu sei quem é. Eu descobri na quinta que quem vai cuidar dele está em São Paulo. Já está cuidando, já o está amando.
- Você ia nas aulas de geografia, né?
 (Silêncio)
Sabe que São Paulo é grande, né? E tá ligada que tem mais uns par de estados por aí neste nosso pequenino país.
- Ok, eu sei que tem milhões e milhões de pessoas pelas ruas e no trânsito e nos bares e lanchonetes e cruzando todo dia nossos caminhos... mas a gente nunca os conhece de verdade. E quando conhece, se você se atreve a se apaixonar, cai nessa merda.
 - Não tá dando. Você está muito na fase: não vou aceitar, ele é o único pra mim e toda essa merda que tentam te enfiar, todos os dias, na sua cabeça através de TV, de revistas, de casamentos falsos, de relacionamentos mascarados, de status conjugal e... de músicas.
(Barulho de cerveja sendo despejada no copo)
Olha aí, chorando com a voz do cabeludo.
- É. E eu quero mesmo passar pra próxima fase, mas tá tão difícil...
- Então ouve mais a música e aproveita esse período. Mas não queira respostas agora, ou conselhos que te dê uma luz no final do túnel: aceite que você quer agir como está agindo, que quer se lamentar ainda por não ter sido a tal e todas essas coisas. Aceita que quer e precisa desse tempo de dor. E só quando estiver realmente preparada para aceitar as verdades e pensar em como agir daqui pra frente pra aliviar toda essa coisa ruim dentro de você, peça algum conselho.
- Que diabos! Eu nem pedi conselho, tá se achando o sabichão.
- E o que você quer, então?
 - Falar da música.
- Então fale da música...

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